Representantes de organizações da sociedade civil apontaram o desmanche de órgãos regulatórios, o apoio ao lobby do mercado de minérios e a tentativa de fragilizar ainda mais as legislações relacionadas à temática da mineração como os principais motivos para o incremento do garimpo ilegal no país. Durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado, nesta quarta-feira (10), foi apresentado os resultados de um relatório apontando que, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o garimpo ganhou protagonismo político inédito.
Elaborado pelo Observatório da Mineração e Sinal de Fumaça, organizações da sociedade civil que tratam o tema, o relatório Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena, mostra que membros da cúpula federal bolsonarista favoreceram o lobby do garimpo ilegal. “O que resultou na explosão da atividade em terras indígenas e unidades de conservação”.
Segundo o fundador e diretor do Observatório da Mineração, Maurício Ângelo, o governo anterior ignorou os apelos das lideranças Yanomami que denunciaram a crise humanitária na terra indígena, enquanto estava articulando para aprovar formalmente a mineração em terras indígenas.
“O governo sabia muitíssimo bem o que estava acontecendo na terra indígena Yanomami e em outras terras. Você tinha lideranças falando olho no olho para o governo sobre o que tinha acontecido, você teve relatórios muito detalhados, inclusive com mortes de crianças, já se sabia disso antes e não causou nenhuma comoção no governo”, denunciou Ângelo durante a audiência, citando que a situação também é crítica nas terras Caiapó Munduruku.
Uma das principais iniciativas foi o Projeto de Lei 191/2020, assinado por Jair Bolsonaro, pelo ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e pelo então ministro da Justiça Sérgio Moro, para liberar mineração em terras indígenas.
Ângelo citou ainda o histórico recente do setor da mineração com destaque para os desastres e acidentes como o rompimento da barragem de Mariana, considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil; o rompimento da barragem de Brumadinho que matou 270 pessoas; e o da extração de sal-gema pela Braskem, em Maceió, que causou o afundamento de bairros, afetando 200 mil pessoas.
“Considerado o histórico que a mineração tem no Brasil, é razoável que você abra terra indígenas para mineração industrial, agronegócio, garimpo, hidrelétricas? O Brasil precisa disso? É isso que a gente quer?”, indagou.
Segundo o especialista, o setor de mineração e o de siderurgia, juntos, representam apenas 3% do Produto Interno Bruto (PIB), consome 11% de toda a energia produzida no país e emite mais de 107 milhões de toneladas de CO² na atmosfera. Ângelo defendeu que o Brasil precisa rever o modelo de desenvolvimento do setor e criar alternativas, uma vez que a atividade de mineração é finita.
“A mineração vale quanto pesa? O que a mineração está contribuindo para o país? Qual o legado nas principais cidades mineradoras de Minas Gerais, do Pará, da Bahia, de Goiás, Mato Grosso, falando aqui da mineração industrial. A questão do garimpo chamou atenção este ano, mas você precisa oferecer alternativas econômicas, mas mesmo as cidades que vivem do garimpo há muitas décadas, elas não têm um maior desenvolvimento econômico”, alertou.
A fundadora do Sinal de Fumaça, Rebeca Lerer, disse existir, no governo anterior, uma estratégia de lobby bastante sofisticada para avançar projetos de lei, medidas provisórias, que facilitassem o acesso à terra de uma forma muito predatória tanto para o agronegócio quanto para a mineração.
“O que a gente observa nessa linha do tempo é o total descontrole no uso da terra para mineração no Brasil, dos casos mais extremos, como os casos de crises humanitárias que a gente vê em terras indígenas, não só nas terras Yanomami, mas nos Caiapó, nos Munduruku, na região do Rio Madeira e outros projetos minerais”, disse. “Foi uma política mineral das grandes empresas transnacionais, dos minerais estratégicos, da exploração privada de minerais como o urânio, por exemplo, e isso estava sendo pouco discutido pela sociedade”, acrescentou.
Rebeca citou que por ano a atividade de mineração impacta cerca de 700 mil pessoas, com a poluição da água e do solo, problemas graves de saúde com contaminação por mercúrio, materiais radioativos, pessoas atingidas por barragens, entre outros problemas.
“Qual a estratégia do Brasil de médio e longo prazo que contemple a emergência climática que está colocada sobre nós, para a gente fazer uma transição econômica, social, energética e na maneira como a gente usa a terra no nosso país para uma economia de baixo carbono e com justiça climática?”, perguntou.
O ouvidor da Agência Nacional de Mineração (ANM), André Elias Marques, disse que a agência está abandonada, apesar de ter a terceira maior arrecadação entre as agências reguladoras. Ele defendeu uma maior estruturação para a ANM, que tem, entre outras atribuições, regular, fiscalizar e vistoriar barragens e pilhas de rejeitos, controlar o devido fechamento de minas e a lavra de acordo com aspectos ambientais.
“A Agência Nacional de Mineração está abandonada, está sucateada. É uma agência muito defasada e muito aquém das outras agências reguladoras. A ANM está sucateada e não está pronta para fiscalizar o setor de forma adequada”, afirmou.
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