Entidades representantes das polícias Civil, Militar, Rodoviária Federal e Federal pediram mudanças no projeto de Lei (PL) 1.595 de 2019 que trata de ações de combate ao terrorismo no Brasil. De acordo com os representantes das categorias, o texto restringe liberdades fundamentais e enquadra movimentos sociais, sindicatos e associações como terroristas.

O projeto cria uma Política Nacional Contraterrorista (PNC) e um Sistema Nacional Contraterrorista (SNC). Este último fica responsável por coordenar atividades de preparo e emprego de forças militares e policiais e de unidades de inteligência. Segundo o autor do projeto, major Victor Hugo (PSL-GO), o objetivo é instituir “uma série de ações e ferramentas concretas de prevenção e combate ao terrorismo”.

Durante audiência pública na Câmara dos Deputados para debater o projeto, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) Edvandir Paiva afirmou que a proposta está “muito aberta”, podendo ser usada politicamente e até de maneira autoritária.

“Ali [no projeto] pode ser interpretado como terrorismo muitas situações, de maneira que pode ser utilizado politicamente pelo governo da vez”, disse. “Quando vamos falar de crimes precisamos que o tipo penal seja o mais exato possível. Ele não pode estar aberto sob pena não somente de colocar em risco as garantias individuais da sociedade em si, como de colocar o operador do direito em risco como o de abuso de autoridade.”, afirmou

Paiva disse ainda que a criação de um autoridade central para tratar das ações de contraterrorismo pode fazer que com determinados órgãos extrapolem suas funções e acabem atuando nas atribuições de outros, o que contrária a legislação a atrapalha o combate ao terrorismo. Para o delegado, em vez de uma autoridade central, deve ser criado uma espécie de conselho com a participação de representantes de vários órgãos.

“O texto abre muito a possibilidade de algo que é muito negativo e que já ocorreu outras vezes – ter uma autoridade central sob um determinado assunto que envolve a atuação de vários setores, agências, órgãos, e aí se dá muito poder a essa autoridade e ela passa a trabalhar paralelamente aos demais órgãos, traz para si as competências dos demais órgãos e na verdade cria um novo órgão para atuar na seara”, disse.

Além disso, o texto prevê a aplicação de mecanismos também para “prevenir e reprimir a execução de ato que, embora não tipificado como crime de terrorismo”, seja considerado “perigoso para a vida humana ou potencialmente destrutivo em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave”.

Para o presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF), Marcelo de Azevedo, o projeto pode dar maior segurança jurídica para a atuação das forças de segurança e do poder público, mas o texto é bastante genérico na definição do enquadramento das situações consideradas como terrorismo.

“Sabemos que nosso país não tem um histórico grande nessa área [terrorismo], mas o Estado, como um todo, tem que estar preparado para fazer frente as ameaças que possam ser perpetradas contra as pessoa”, disse.

Segundo Azevedo, esses conceitos têm que ser melhor definidos para não dar margem para diferentes interpretações que possam causar prejuízo para as forças de segurança e a sociedade

“Essas definições precisam ser melhor elaboradas para que não possam enquadrar movimentos legítimos como movimentos sociais, movimentos de trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho, e muitas ações legítimas de defesa de direitos possam como situações análogas ao terrorismo”, apontou.

As críticas foram encampadas pelo presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), André Gutierrez, que disse que a proposta precisa de ajustes.

“Ele [o projeto] precisa de muitos ajustes. Da maneira como está propicia o autoritarismo de alguém que possa vir a chefiar o nosso Brasil. Ela expande o conceito de terrorismo de modo que criminaliza inclusive os defensores de direitos humanos, os movimentos sociais, as associações, os sindicatos, restringe as liberdades fundamentais. Se essa lei estivesse em vigor hoje eu estaria sendo taxado de terrorista, disse o policial.

O presidente da Associação dos Servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Asbin) Edson Lima disse que o projeto pode ser uma oportunidade para aprofundar o debate estratégico, tático e operacional das forças de segurança e para capacitação das mesmas “no enfrentamento de crises”.

A proposta, que tramita em uma comissão especial, não altera a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016), mas mexe em dispositivos como o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que estabelece normas de ordem pública e interesse social e a e a Lei de Proteção a Vítimas e a Testemunhas (Lei 9.807/1999).

“A primeira critica minha é que já temos a lei de combate ao terrorismo, então não devemos criar uma nova lei. Isso afronta a técnica legislativa”, apontou o coronel Elias Miler, representante da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme).

Para Miler, a comissão já tem uma percepção do que os agentes de segurança pensam sobre o projeto. O militar defende que o colegiado deve ouvir também os segmentos críticos ao projeto. “É bom ouvir as outras partes, setores que até se opõem ao projeto. Faz parte do processo democrático e até para nos levar a uma reflexão. Quando ouvimos pessoas que são radicalmente contra o projeto a gente pode chegar a um equilíbrio, a um denominador comum”, afirmou.

Ao final da audiência, os representantes das forças de segurança pediram ao relator, deputado Sanderson (PSL-RS) que promova alterações na proposta. “É muito importante termos as sugestões apresentadas e, com base nisso, aprimorarmos o projeto, melhorarmos a sua redação e retirarmos impropriedades, textos ou palavras que estão mal colocadas. Essas sugestões com toda a certeza farão parte do nosso relatório”, disse.

Agência Brasil

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