Cientistas no Estado de São Paulo estão desenvolvendo testes rápidos e baratos para ampliar a capacidade de diagnosticar a COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus. As iniciativas utilizam diversas estratégias para detectar o vírus ou os anticorpos gerados pelo organismo para combatê-lo.

O objetivo é identificar com precisão quem está infectado e também aqueles que já tiveram a doença, mesmo que de forma assintomática, e que, em teoria, estariam imunizados. Algumas dessas iniciativas de testes rápidos para o novo coronavírus (SARS-CoV-2) são desdobramentos de pesquisas anteriores para a detecção de infecções por zika, dengue ou outras doenças virais e que agora recebem nova modelagem para a detecção da COVID-19.

“Precisamos considerar que a expectativa é de que a epidemia dure um tempo ainda. É possível que tenhamos outras ondas de infecção e é essencial contar com diferentes tipos de testes para ter dados epidemiológicos e também planejar medidas de isolamento social e de liberação de pessoa para o trabalho. Ao aumentar a testagem, é possível identificar casos leves, graves e quem está curado, além daqueles que já foram infectados e não sabem que tiveram a doença”, diz  à Agência Fapesp Edison Durigon, professor do Instituto de Biociências (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) que tem realizado várias pesquisas relacionadas ao vírus.

No ICB-USP, pesquisadores estão desenvolvendo testes de tira (fitas semelhantes às do teste de gravidez) para detectar, em 15 minutos, se o vírus causador da COVID-19 está na secreção do nariz ou da garganta do indivíduo.

O estudo foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no âmbito do edital Suplementos de Rápida Implementação contra COVID-19, lançado para agilizar o financiamento de trabalhos que ajudem a combater a pandemia.

Insumos

A pesquisa está em fase avançada e os testes devem ficar prontos em maio. Todos os insumos necessários, como os antígenos do vírus e os anticorpos, são desenvolvidos no próprio laboratório da USP, o que evita a necessidade de importar reagentes neste período de grande procura em todos os países do mundo.

“Conseguimos isolar o vírus do paciente número 1 no Brasil e produzir em laboratório três proteínas de superfície que permitem a identificar o patógeno em testes desse tipo. Atualmente, o estudo está na fase de inoculação dessas proteínas em animais de laboratório [ratos, coelhos e cabras] para ter quantidade de soro suficiente para produzir os primeiros testes rápidos”, afirma Durigon, um dos coordenadores da pesquisa.

Segundo o pesquisador, o desenvolvimento de testes para a enfermidade segue a mesma linha de pesquisa e metodologia realizadas durante a epidemia de zika. “O desenvolvimento desse teste surgiu a partir de todo o conhecimento que tivemos em pesquisas anteriores realizadas para o vírus da zika, em que foi possível também isolar o vírus, produzir a proteína e desenvolver os testes”, diz.

O cientista ressalta que, com as proteínas desenvolvidas no laboratório, será possível no futuro desenvolver testes que detectem os anticorpos e, portanto, se o sistema imune do indivíduo está reagindo à infecção do vírus. “Porém, preferimos desenvolver neste momento da epidemia testes que determinem o diagnóstico em 15 minutos. Com esse método não é preciso esperar que o indivíduo produza os anticorpos, pois é possível identificar o vírus circulante”, avalia o pesquisador.

Tela do telefone

No Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fapesp na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – um sensor eletroquímico está sendo criado para identificar a infecção pelo novo coronavírus também nos primeiros dias da doença.

A abordagem utiliza um sensor eletroquímico com nanopartículas de óxido de zinco para detectar a proteína recombinante do vírus na secreção da garganta ou do nariz de indivíduos possivelmente infectados.

“Com essa estratégia, será possível identificar o vírus circulante já no início da infecção. Isso é importante para o controle da pandemia, pois se trata de um teste rápido capaz de identificar casos iniciais da doença e casos assintomáticos”, explica Talita Mazon, coordenadora do estudo e pesquisadora do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas, à Agência Fapesp.

De acordo com Mazon, o método utiliza uma placa de circuito impresso – presente na maioria dos aparelhos eletrônicos – com nanoestruturas de óxido de zinco que servem para imobilizar os anticorpos contra as proteínas S1 e S2, presentes na espícula (coroa) do novo coronavírus.

“Estamos adaptando o método que desenvolvemos para zika e dengue para a detecção da proteína recombinante do SARS-CoV-2 [proteínas virais produzidas em laboratório] via anticorpo imobilizado nas nanoestruturas. Paralelamente, estamos buscamos parcerias com o grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas [Unicamp] que isolou o vírus em laboratório, para modificar a base sensora com padrões do tamanho e da forma do vírus, visando a detecção direta do patógeno”, pontua Mazon.

“Dessa forma, o teste rápido seria 100% nacional, pois não precisaríamos esperar a importação do anticorpo de laboratórios estrangeiros”, completa a coordenadora do estudo.

Em 15 minutos e com apenas uma gota da secreção da garganta do paciente, é possível identificar a presença da molécula viral representada em gráficos obtidos pelo uso de um equipamento portátil e exibidos em um aplicativo de telefone celular. “Estamos iniciando conversas com a indústria para a produção em larga escala. Se tudo der certo, acredito que em três meses seja possível disponibilizar os sensores”, salienta.

Detecção de anticorpos

Outra iniciativa, que vem sendo realizada na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Botucatu, utiliza uma estratégia com nanopartículas de ouro para identificar em 15 minutos a presença de anticorpos para o novo coronavírus na saliva ou outra secreção do paciente.

“Estamos desenvolvendo o mesmo tipo de teste rápido que o Ministério da Saúde precisou importar recentemente. Como temos experiência com esse tipo de testes para outras doenças, como dengue, cinomose canina e, mais recentemente, com o circovírus do porco, estamos adaptando a metodologia para o novo coronavírus”, diz João Pessoa Araújo Júnior, pesquisador do Instituto de Biociências de Botucatu (IBB) da Unesp, à Agência Fapesp.

Para desenvolver os testes, o grupo precisou importar os anticorpos do tipo imunoglobulina G (IgG) e imunoglobulina M (IgM), proteínas produzidas pelas células de defesa do corpo humano para combater a SARS-CoV-2. O método consiste em uma tira de papel cromatográfico com nanopartículas de ouro recobertas por anticorpos específicos contra o novo coronavírus.

Quando uma ponta da tira entra em contato com a secreção do paciente, caso ela tenha o vírus ou a presença de IgG ou IgM, estas se ligam aos anticorpos específicos, provocando uma mudança de cor, visível na linha de teste.

Por se tratar de nanoestruturas, o valor do material não pesaria tanto no custo final do produto. De acordo com as estimativas para os kits de teste para dengue – desenvolvidos pelo mesmo grupo de pesquisadores –, a produção sairia por cerca de R$ 4 a unidade. No entanto, para os testes da dengue não foi necessário importar o anticorpo.

“Esse teste é uma espécie de três em um, já que permite saber se o paciente ainda não foi infectado, se está com a doença no momento ou se já a teve no passado. Isso porque os anticorpos do tipo IgM são produzidos na fase aguda da infecção e os do tipo IgG aparecem após o indivíduo teoricamente estar imunizado”, diz à Agência Fapesp Valber Pedrosa, pesquisador do IBB-Unesp.

Segundo o cientista, os testes rápidos possibilitam ter uma real dimensão da epidemia. “Eles são importantes, pois no Brasil estamos contando apenas os casos positivos de pacientes internados em hospitais. Porém, também é necessário saber o número de casos assintomáticos e quantos estão imunizados, para poder planejar com embasamento o fim das quarentenas e das ações para o enfrentamento de possíveis novas ondas da epidemia”, ressalta.

Testes em clínicas e hospitais

O grupo de pesquisadores do ICB-USP está desenvolvendo outro tipo de testagem, cujo resultado sai em quatro horas e precisa ser realizado em hospitais ou centros de análises clínicas. Trata-se de uma metodologia conhecida como ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática, na sigla em inglês), teste sorológico utilizado para detectar os anticorpos IgG e IgM e que tem como principal vantagem não precisar de equipamentos muito sofisticados.

“A metodologia de teste ELISA permite saber em que momento da doença o indivíduo está: se infectado, se já está com anticorpos ou se já foi infectado alguma vez na vida. Esse teste será muito útil em uma próxima fase da epidemia, pois identifica as pessoas que já foram infectadas e não sabem que tiveram a doença”, explica Durigon.

Além dos testes rápidos para a COVID-19 e o ELISA, que estão em desenvolvimento, há ainda a técnica de PCR em tempo real (sigla em inglês para reação em cadeia da polimerase), método preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que detecta o RNA do vírus circulante no organismo do indivíduo infectado.

Considerado o padrão-ouro dos testes para COVID-19, por ter maior precisão, o resultado fica pronto em cerca de 12 horas. No Brasil, essa testagem tem sido realizada apenas em casos graves.

No Estado de São Paulo, uma plataforma com cerca de 20 laboratórios, na grande maioria públicos e ligados a instituições de pesquisa e ensino do Estado de São Paulo, busca otimizar a realização de testes para diagnóstico da enfermidade.


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